terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Poesia - Sem culpa

Nessa confusão
De crenças rasas
E pouca empatia
Os corações
Batem cada vez mais lento
Pulsando só para manter vivo
O surdo melancólico do peito
Cansado de alimentar
Fomes vazias
Sedes sombrias
E punhos cansados
Os risos apáticos
E as mentes com dor
Não provocam mais euforia
É a inércia da alma
Nem alvoroçada
Nem calma
Não quero
Esse frio é quase morrer
Não sossega
Nem aquece o sono
Que revigora a vida
Olho o espelho
E vejo desejo
De amor e autonomia
Viver 
E poder mergulhar 
Inteira nas emoções 
Sem sentir culpa
Por ainda acreditar
Nos olhares e afagos sinceros...

CARMEN FAUSTINO

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

1 ano da Marcha das Mulheres Negras!

Há um ano fomos para Brasília, marchar contra o racismo, a violência e pelo bem viver!
Produzi esse texto dias depois, para a Revista Fala Guerreira!! Dia potente e inesquecível! 


Maré Negra, de Mulher!*

            "Durante esse ano, mais uma vez presenciamos uma tempestade de violências contra o povo negro, algumas ecoaram sem muita força nas mídias, a grande maioria, o estrondo estremeceu apenas pelos becos periféricos.
            Há décadas vivemos o silenciamento das nossas tormentas e esse foi um ano de muito sal. Milhares de Mulheres Negras se banharam em lágrimas pelo extermínio covarde dos jovens negros; pelas cinzas do fogo racista no chão das Yabás, atacadas na sua dignidade espiritual; pelas armadilhas do machismo desmascarado nas redes sociais e hostilizados pelos que negam sua problemática nos espaços de convivência; pela lama que afogou a existência de um chão ancestral, riqueza maior que qualquer ouro e prata; pelas muitas mulheres violadas no seu direito de vivenciar suas escolhas, em seus corpos, seus cabelos, seus discursos e sua sexualidade; pelo racismo xingado publicamente, sem nenhum receio ou vergonha de ser racista... 
              Tristeza à deriva, solidão nebulosa.
            Seria apenas mais um período de dor e luta como os muitos que já se passaram e que ainda estão por vir, mas um valoroso vento movimentou o olhar para os nossos espelhos, reluzindo um horizonte de possibilidades mais serenas na trajetória de resistência das Mulheres Negras. O ano de 2015 foi também de muita lucidez e compreensão plena,  sobre a necessidade de romper com o silenciamento imposto as nossas especificidades e mergulhar profundamente em nosso próprio mar de feridas abertas. Um passo fundamental para o exercício da fala e a busca por espaços de fortalecimento e cura coletiva, percurso muitas vezes doloroso e exaustivo, mas essencial para a quebra dos ciclos de violências e a potencialização da nossa percepção humana e apropriação da voz.
            As histórias mal contadas, dos livros escolares aos roteiros novelescos, do senso comum construído, aos discursos acadêmicos fundamentalistas, negam todo o legado e a realeza que as herdeiras do mundo trazem consigo. Não daremos mais espaços nem voz, para aqueles que não sabem das nossas verdades e não querem enxergar os reais valores das Mulheres Negras.
            O ano de maré revolta transcorreu em afogamentos, muitas lágrimas e em 18 de novembro, desaguou na primeira Marcha das Mulheres Negras, em Brasilia – DF. Marcha essa, que passou feito um furacão e trouxe na hora certa, boa dose de bonança e brisa leve para o corpo, alma e coração das Mulheres Negras, já salgados de tanto pranto. Nossos passos vêm de longe, nossa força e capacidade resiliente também. O que para muitos parecia miragem ou delírio navegante, se tornou gigante maremoto e 50 mil mulheres viajaram pelo país, desembarcaram na capital federal e se reuniram em uma quarta-feira de sol e chuva, para gritar alto, contra o racismo, a violência e pelo bem viver. Ansiosamente esperamos por esse dia e junto às parceiras do Núcleo Mulheres Negras, nos unimos ao cortejo e seguimos em coro, aguando e fertilizamos nossas raízes, cada vez mais vivas e entrelaçadas.  
            Um encontro de Mulher Negra, com dia e hora marcados, na capital que pensa política para poucos, e em 2015 fechou pastas importantes para as políticas públicas da nossa população. Mulheres Negras que olharam para si e suas iguais acreditando na força extraordinária que temos quando estamos juntas. Os abraços, sorrisos e o respeito trocados, foi o oxigênio que precisávamos para permanecer nesse mar e dimensionar que não estamos sós e não há horizonte para nossas vontades.
            Em meio às transformações individuais e coletivas, as gerações se encontraram, as crianças se acomodaram em seus colos e as Yabás, abriram o mar de Mulher Negra, uma energia ancestral conduziu nossa caminhada e marchamos emocionadas, contemplando a paisagem do pertencimento e nos banhando de renovação. O grito de Mulher Negra ecoou longe e com ginga, beleza e sorriso no rosto, ocupamos as ruas da elite política brasileira.
            Alinhamos nossas bússolas, analisamos nossos mapas e estamos preparadas para traçar as novas rotas de navegação para os próximos anos. Trazemos na bagagem, o enfrentamento e a força necessária para os dias de aguaceiro e vendaval, mas também o acolhimento e a escuta necessária para novos e frescos tempos de remanso. A fala e o afeto também nos pertence e projetamos navegar rumo a um horizonte de protagonismo das nossas histórias de amor e dor, à nossa maneira.

            Nesse mar quem navega agora somos nós! "


Carmen Faustino - Poeta, escritora, educadora e articuladora cultural. 
Periférica da zona sul e parceira feliz das publicações negra feminina.

#MarchadasMulheresNegras1Ano
#EuMulherNegra
#Rumoao20deNovembro

*Publicado na revista Fala Guerreira em novembro de 2015

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

EVENTO: I SIMPÓSIO SOBRE CULTURAS AFRICANAS E AFRO-BRASILEIRAS - OLHARES E PRÁTICAS

Divulgando esse evento de extrema urgência e importância, para uma reflexão e discussão aprofundada das consequência do racismo no espaço escolar e a aplicação da Lei 10.639/2003

A Escola Estadual Professor José Geraldo de Lima, em parceria com o Baobá - Fortificando as raízes e a Diretoria de Ensino Sul 3 de São Paulo promovem o I Simpósio sobre Culturas Africanas e Afro-brasileiras - Olhares e Práticas: O Currículo de Ciências Humanas à partir da Lei 10.639/2003.
PROGRAMAÇÃO

CREDENCIAMENTO: DAS 08:30H ÀS 9H
MANHÃ: DAS 9H ÁS 12:30

Mesa 1
Salloma Jovino Salomão - Histórico de lutas dos Movimentos Negros Brasileiros para a inserção da história Africana e Afro-Brasileira no currículo Nacional.
Douglas Araújo - Perspectivas de ensino após a implementação da Lei 10.639/2003 - do multiculturalismo ao etnocentrismo : uma linha ténue.
Andrea Arruda - O reconhecimento do racismo institucional: nomeando conflitos escolares.

TARDE: DAS 13:30H ÀS 17H

Mesa 2
Patricio Araujo - Cultura Tradicional Africana: Mitologia e religiosidade.
Fabiana Ivo - Educação Popular: O RAP como instrumento de educação.
Cláudio Pimentel - Desafios do Ennsino sobre Cultura e Religiões Afro-Brasileiras e a Lei 10.639/2003.

Informações e inscrições para mostra de banners e pesquisas acadêmicas na temática: até 27/10 através do e-mail desu3npe@educacao.sp.gov.br com EDUARDO

OBS: Haverá emissão de certificado para quem levar trabalhos para apresentação e para os Professores de História, Sociologia e Filosofia de D.E Sul 3
Rua Antônio Mariano, 254. Jd Ipanema - Próximo ao Socorro. Zona Sul - SP

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Mjiba Semeando a Literatura Negra Feminina, com Carmen Faustino e Elizandra Souza

Em novembro o Mjiba - Semeando a Literatura Negra Feminina estará fertilizando no Sesc Santo Amaro, nos dias 16, 23 e 30, das 19:30 às 21:30

"A partir das escritas literárias de mulheres negras os participantes terão a oportunidade de vivenciar momentos de reflexão e ludicidade, envolvendo leitura, reflexões e bate-papos sobre o universo da Literatura Negra Feminina e convidados também a produzir e apresentar as próprias criações literárias.
A literatura negra feminina será apresentada e fomentada em diálogo com elementos do audiovisual, texturas, cores e aromas, no intuito de oferecer um ambiente agradável e propicio para ativar a sensibilidade criativa dos participantes."

Gratuito, é só chegar!
Venhas todxs! 



http://www.sescsp.org.br/aulas/106926_MJIBA+SEMEANDO+A+LITERATURA+NEGRA+FEMININA

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Mulheres de Pedra e Núcleo Mulheres Negras: Intercâmbio de amor, amizade, vivência e fé-menina...

Há um ano, o Núcleo Mulheres Negras fez um intercâmbio inesperado e partiu para um encontro com as parceiras Mulheres de Pedra, em Pedra de Guaratiba - RJ.
Incrível, inesquecível e cheio de Fé...Menina!
Algumas fotos e um poema sobre esse lindo encontro!  





























Núcleo de Pedra, Mulher Negra de Fé

A lua mandou seu chamado
E conspirou, encontro marcado
Intuição quase certeza, mar infinito para sentir
Joguei para o universo
E mergulhei nos mistérios desse território fértil
Descobri aromas além do meu horizonte periférico

Flores-fortaleza, potência de mulher preta
A periferia que sangra
Pariu o Núcleo Mulheres Negras
No ventre, desejo de cura e partilha
Do sol, da lua, dos líquidos sagrados.
Portas e corações abertos

Com uma divina acolhida das Deusas
Em seu útero-quintal, igual casa de vó
A mangueira centenária, o muro baixo
As folhas de boldo a janela grande
Espaço de potência vital

Intensidade nas vivências, realeza na arte
Magia e ancestralidade que transbordou
Da lama, da luz, da tinta, da água
Com gosto de batata doce e café
Sambei e jonguei na roda
Sorri e chorei no círculo de paz

Os corpos flutuaram na pedra
O por sol batizou nossa dança
Os crespos enalteceram
E em transe, me tornei Deusa

Mulheres de Pedra...Se tanto bate até que fura 
O que transborda é amor
Respeito e admiração à lua, ao tambor

As emoções foram germinadas
E a conexão foi estabelecida
Volto fertilizada, molhada de água salgada
Dos olhos, do mar, do suor
A caminhada aqui segue, é longa
Flores e riso, choro e espinhos

E agora banhada de mais Fé...menina!


Carmen Faustino. Out/2015 

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Núcleo Mulheres Negras: No grito mudo, ecoamos o rito da cor e trançamos histórias pretas! Carmen Faustino e Flávia Rosa



         Somos Mulheres Negras, a maioria na zona sul de São Paulo, a maioria nas inúmeras periferias desse mundão, a maioria no país. Mulheres negras, pobres, mães, filhas, bissexuais, lésbicas, heterossexuais e periféricas, que cotidianamente vivem uma avalanche de opressões, hostilidades e o não menos severo silenciamento de suas vozes, sua presença, seus amores e dores. Fomos jogadas em um abismo de escuridão, inércia e invisibilidade, que naturalmente sufoca, despreza e desqualifica profundamente todo o legado e grandeza que envolve o ser mulher negra.

Para elaborar uma reflexão com a complexidade e a humanização necessária, sobre as vivências, conflitos e ciclos de violências que envolvem as mulheres negras, na perspectiva das práticas da Justiça Restaurativa, se faz necessário uma boa e generosa dose de sensibilidade, empatia e percepção. Os olhares e raciocínio precisam estar em constante atenção, para que se atravesse a cortina de fumaça do racismo, abandono e solidão que encobre as verdadeiras histórias das mulheres negras, e se enxergue a realidade. Esse cuidado se estende ainda às armadilhas sociais que perpetuam em falsas idéias de pieguices e vitimismos, que perseguem as questões das mulheres negras.

Há séculos as mulheres negras são projetadas e vistas como mulheres submissas aos diversos grupos de poder econômicos e sociais. Somos vistas como as mulheres com corpos disponíveis e sexualizados, sem a necessidade de afetividade e respeito, as mulheres que são fortes e suportam todas as dores físicas e emocionais, as mães que podem criar sozinhas seus filhos, as mulheres que abrem mão de suas vidas para cuidar de outras, as mulheres que estão acostumadas a batalhar pelos seus objetivos,  que não reclamam e aceitam com humildade e gratidão, o pouco que é oferecido.

 Vivemos a desconfiança em torno da nossa capacidade intelectual nos espaços acadêmicos, profissionais e sociais, nos empurram para os trabalhos de subserviência, condenam nossos traços, a diversidade dos nossos corpos, a textura dos nossos cabelos, nossas escolhas afetivas e sexuais. São milhares de estigmas, e há séculos somos condicionadas e cobradas a corresponder expectativas, que nem sempre condiz com nossa real e reflexiva escolha.

A necessidade de socialização faz com que as muitas possibilidades de ser mulher negra sejam abafadas, por tentativas de enquadramentos que não nos cabem, nem nos contemplam. E não é permitido questionamentos, muito menos negar esse lugar dado, pois de nós, esperam sempre aceitação e o silêncio. 
  
Ser mulher negra é suportar as desconfianças e estereótipos que não escolhemos, mas que atravessam duramente o corpo e a alma, abrindo feridas latentes que não encontram alívio, cicatrização e se perpetuam ao longo dos anos. É ter que desenvolver ginga, malícia e aprender na marra, a manejar todas as ciladas e desafios que são oferecidos, travestidos de oportunidades, notoriedade e valor; é ter que levantar sozinha a cada rasteira e permanecer na estrada, pois o cansaço e a desistência não nos pertencem, nem teremos auxílio ou consolo, afinal nos consideram forte o bastante; é estar em punga e ser estrategista a todo o momento, para perceber a hora certa de transitar e gritar, se quiser ser vista e ouvida, mesmo constatando que muitas vezes ouvir não significa entender e respeitar.

Em uma sociedade, que vê o corpo de uma mulher negra servil e sem voz na mídia, ou sendo arrastado pelas ruas da cidade, com a mesma naturalidade hostil, ser mulher negra adoece a alma e mata nossos sonhos.   

Nessa trajetória de afrontamento e contínua busca pelo ser mulher negra em sua plenitude e integridade, encontramos inúmeros dificultadores, muita omissão, pouco preparo social e um enorme vazio nas ações voltadas às nossas especificidades. Não somos legitimadas em nossos discursos e muito menos amparadas pelas políticas públicas voltadas para a segurança, bem estar, saúde física, psíquica e emocional. O racismo, machismo e misoginia atingem fortemente os espaços públicos de saúde, educação e de leis de proteção e defesa, que deveriam como prioridade e dever, acolher e repudiar tais práticas. As maiorias de nós dependem e precisam desses serviços cotidianamente, portanto, também estamos submetidas às violências que são banalmente difundidas nesses espaços.     

 Ao pensarmos que a maioria da população de nosso país é mulher negra e periférica, conseguimos dimensionar o tamanho da violência praticada, do silêncio imposto e da negação do nosso existir. É desesperador pensar nas inúmeras e dolorosas consequências do grito entalado na garganta e do peso nas costa da maior parcela do nosso país.

Existimos e resistimos pelas muitas estratégias de sobrevivência que herdamos das nossas antepassadas e obrigatoriamente desenvolvemos nos cotidianos; resistimos pelos subterfúgios que atravessam o caminho e são transformados em oportunidades de superação e continuidade.

Nessa espinhosa caminhada, o tempo para o respiro, descanso e auto-cuidado são raros e escassos. Nossos corpos respondem ao abandono e com pouca percepção, as vidas de muitas de nós são tomadas pela dor, apatia e solidão.  

Temos um turbilhão infinito de emoções, emaranhadas e conflituosas, que também nos traz questionamentos e reflexões profundas sobre o lugar em que nos colocaram, os efeitos dessa subjetividade violentada e qual o caminho e lugar realmente desejamos ocupar e seguir. O que faremos por nós, para driblar esses perigos e sairmos do ciclo de dor e doença, uma vez que não podemos esperar ações de ninguém, pois é latente a falta de humanidade que é dada a negros e negras.

Ao longo da caminhada, uma certeza nos acompanha: Não aceitamos mais o lugar da invisibilidade e silêncio, e precisamos urgentemente cuidar de nós. Dentro de uma perspectiva contemporânea, se faz necessário desconstruir as mentiras, para se retomar o valor e respeito à ancestralidade das mulheres negras e o reconhecimento de suas trajetórias e contribuições no mundo. 

Ser Mulher Negra é possuir peculiaridades que nos enchem de conflitos e certezas. Um legado extenso demais para ocupar as pequenas páginas das histórias rasas e mal contadas que permeiam o imaginário social coletivo. As violências que sofremos desde que nos colocaram em diáspora, não é roteiro novelesco, não é mito, não é exagero, muito menos fraqueza! É perverso e cruel, traumatiza nossa humanidade, marca profundamente nossos corpos, atrofia e bloqueia nossos movimentos, nos tira a capacidade de doar e receber afeto, prazer, confiança e paz. 

Um feliz encontro nos proporcionou mergulhar no processo de construção do Núcleo Mulheres Negras. Juntas, abrimos um portal de possibilidades afetivas e a ampliação dos horizontes, que muitas vezes é limitado e ofuscado pela desconfiança e auto estima destruída. Transcendemos as imposições sociais e nos apresentamos aos espelhos de nós, nos presenteamos de afeto, doação e acolhida, ritual necessário para uma elaboração compreensiva e sensata das dores.

 O Núcleo Mulheres Negras nasceu de um silêncio herdado e ensurdecedor que ecoou na periferia sul de São Paulo em 2014. Mulheres negras que já se encontravam em outras estradas e que uma vez por mês, se juntam para elaborarem suas subjetividades conflituosas, carregadas de dores, alegrias e alívios. Um encontro que implodiu nossos corpos, sufocados das imposições sem escolha; transbordou alto e explodiu pelas bocas, corpos, poros e olhar. Foi parido no grito forte, fino e estridente, que urrou aos ouvidos menos atentos, despertou da doença racista que por muitas vezes nos deixa inertes e nos projetou uma nas outras.

 Nossos espelhos refletem igualdades e diferenças, força e fragilidades, lágrimas e sorrisos, quando nos colocamos em roda e olhamos umas nas outras em segredo, comungando de uma energia acolhedora, que nos permite demonstrar somente o que desejamos, mesmo que seja apenas naquele momento.

É urgente sair da dor, minimizar os efeitos das violências que recebemos e dignamente conseguir dizer não, para tudo àquilo que não aceitamos mais. Um poder que nos possibilita traçar a continuidade ou um novo caminho, com mais saúde, bem estar e decidir pelo que nos agrada; queremos ser mulher negra sem influências negativas e viver somente o que desejamos em nossas vidas.

As partilhas são repletas de momentos de fala, escrita e escuta, somos nós, nossa própria temática. As trocas de olhares e afagos acessam memórias e lugares esquecidos, não há espaço para o crivo do julgamento e podemos sucumbir como vier, pois a neutralidade é sensível e amorosa. No ápice das nossas emoções, percebemos a importância de localizar as doenças e expurgar o que não podemos mais carregar, para conseguir buscar entendimento e alternativas mais saudáveis para nossas vivências.

Descobrimos e construímos um espaço potencial de vida, repleto de sensibilidade, liberto de avaliações e pudores. Ser mulher negra é ter um universo dentro do peito e nossa roda de amor e cura, acomodam dignamente toda essa imensidão. Podemos escancarar tudo, ser e ter toda a intensidade que foi abafada ao longo dos anos. E a partir de um olhar panorâmico sobre nossa herança, entrelaçada na contemporaneidade que traz fortes dissabores e deleites, essa vivência nos projeta para horizontes mais saudáveis e prazerosos, que acalanta nossos pesares e reafirma com segurança, os momentos de alegria e prazer por completo, pois também nos pertence.  

É nosso lugar de potencialidade, criado na base do amor, para a cura das nossas. O Núcleo Mulheres Negras é feito de momentos únicos de intimidade coletiva e pessoal. A cada história parecida com as nossas e de tantas outras, os olhares e expectativas para a vida são renovados. Potencializar os momentos de escuta, olhar, compreensão e afeto, nos faz perceber que existe uma trajetória conjunta e que nossa subjetividade não pode mais ser abafada.

O maior exercício aplicado nas práticas da justiça restaurativa é o exercício do silêncio, para ouvir a si mesma e quem está com você. Não o silêncio doloroso da negação e desprezo que recebemos socialmente há anos, mas o silêncio que se relaciona e potencializa diretamente o alívio e conforto das companheiras, no momento em que cada uma faz a sua oração, joga para o círculo de paz e para o universo, o seu ser mulher negra, sem preocupações com o aval social, apenas deixando fluir os sentimentos diversos.

Percebemos que ser mulher negra é muito mais do que nós mesmas conhecemos. É aprendizado constante, exercício de autoconhecimento e das práticas de afeto e respeito pelas nossas histórias. Mulheres negras de diversas gerações, vivências afetivas, sexuais, familiares e sociais, partilham e experimentam o lugar da fala. Ouvir e confidenciar com mulheres mais velhas, crianças, mulheres casadas, solteiras, em singulares relações afetivas, de diversas profissões, vivências e anseios, reafirmam os propósitos que os processos de pertencimento são individuais, mas dialogam coletivamente.

Somos troncos de diferentes espessuras, folhas de diversas texturas e frutos de muitos sabores, mas partilhamos da mesma raiz.

São muitas histórias de continuidades e desconstruções que não cabem mais no silêncio. Os séculos emudecidos, aos pouco dão lugar ao exercício da oralidade e reaprendemos por meio da fala, a nos colocar no mundo. Uma herança fundamental para se retomar a circularidade natural das nossas vidas, pois desejamos a totalidade da nossa existência.

Somos descendentes das detentoras de saberes milenares, que aprenderam na observação e nas vivências individuais e  partilhadas, com o outro e com o universo. E generosas em atividade como sempre foram, nossas ancestrais partilharam e ainda partilham desse conhecimento, aprendem e ensinam quem tiver ouvidos e respeito para oferecer. Mulheres que avistam o céu prevendo dias de trovoadas, aguaceiros e terremotos, mas com a tranquilidade e a consciência da importância do movimento do mundo, acalentam os corações, na afirmação certeira que o brilho do sol virá ao final da tempestade.

Deusas da magia da vida, do sangue sagrado que fertiliza a terra, revitaliza o corpo e carrega o próximo. Somos a continuidade, que ginga os próprios desafios, reconhece os erros, reforça os acertos e grita alto em busca de mais afeto.  

A roda, o circular infinito, faz com que o silêncio da partilha, a cada encontro do Núcleo Mulheres Negras, seja preenchido de amor, cuidado e atenção uma com as outras, é esse silêncio que desejamos. Nossos líquidos sagrados, sangue, lágrimas, suor, saliva estão umedecendo cada vez mais nossos momentos, posicionando nossos espelhos e nos refletindo uma para as outras. Somos espelhos de mulheres negras.

Sejamos noite e dia, luz e escuridão, para enxergamos tudo o que está cego; sejamos amargor e doçura, frescor e ardor, para que cada uma perceba e escolha o que fazer com sua indigestão; sejamos rios, riachos, mares, cachoeiras, lagoas, goteiras, pororocas e tudo mais que for preciso para vazar e escorrer o ciclo de renovação da vida. Com segurança e pertencimento, desejamos retomar a direção com as próprias mãos, para que cada uma escolha por onde e com quem vai continuar a navegar.  

*Texto produzido para a publicação Sujeitos, cursos e percursos - Projeto Jovens facilitadores de práticas restaurativas. Abril/2016

http://cdhep.org.br/2015/wp-content/uploads/2016/04/Revista_sujeitosFrutosPercursos.pdf

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Um samba para cantar, um poema para inspirar... Disritmia




"Eu quero me esconder debaixo
Dessa sua saia, para fugir do mundo..."

Nego
Pode vir
Se embrenhe nessa mata
Meu tecido colorido de vida
Recebe com ânsia
Seu coração vagabundo

Se esconda de tudo
No emaranhado de pelos
Cabelos
Entre minhas pernas
Te dou abrigo

Se atente
Meu coração confesso
Cabe o dengo do mundo
Quer flores no caminho
Não aceita mais atrito
Ande em paz comigo

Minha saia rodada
Gira ventania 
Tem lanças nas pontas
E trama ardilosa nos tecidos
Rede armadilha para invasões
Proteção contra conflitos
O samba em nosso ritmo

Vivo contigo na boemia
Beijo e café
Curam o porre
Mas se cambalear
Em nosso livre trato
Te deixo hipnotizado
Perdido
Em sua disritmia

Sem meu acalanto
Sem a minha calmaria...

Carmen Faustino

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

CHUVA DE VERÃO





O tempo fechou
Escureceu
O roçar no pescoço me assanha
No ouvido previsões de desejo
São seus crespos embaraçando meu eixo

Raios luminosos
Acendem meu pavio
Calor no peito, cada toque é um choque
Meus pelos em suas mãos provocam trovões
Estremecem minha semente germinada

Rajadas de vento
Assoviam fundo em meus sentidos
Pela brisa úmida me deixo levar
Em alerta, meus bicos endurecidos anunciam tempestades

Você, sem guarda-chuva
Eu, toda molhada
Irrigada pelo arado da sua língua
Terra adubada, fruta madura, mata ocupada

Gota a gota a sede é saciada
É chuva de verão
Águas de perfume
Quentes como a estação
Escorrem dentro e fora

É mar, rio, cachoeira de tesão...

Carmen Faustino
*Publicado na antologia erótica Pelos Quartos do coletivo Louva Deusa em 2015

COROA

Resultado de imagem para Mulher Negra Rainha



Ela merece uma coroa...
Por todo o axé que carrega no peito
Pelo marfim estampado sorriso, refletido nos olhos
Por ter na pele o brilho do sol, e da lua
Pelos crespos, ostenta a resistência.

Ela merece uma coroa
Por se filha da luta, dignidade na labuta
Pela cabeça erguida, mesmo quando vista nua
Pelas tristezas que viu banhadas de sal
Por doação aos deuses, busca do amor ancestral

Ela merece uma coroa
Por saber que existe uma história velada
Pela língua afiada, sempre alerta
Pela malicia e ginga dosada na espera

E sua coroa é única
Ela é herdeira da verdade
E quando chegar o dia de sua coroação
Ela estará pronta para reinar
Na certeza que sua passagem não será em vão!

Carmen Faustino
*Publicado na antologia Pretextos de Mulheres Negras, organizado por Carmen Faustino e Elizandra Souza em 2013.


quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Consciência amor-política





Reivindiquei amor na base 
E urgência na emenda 
Botei fé no partido
E votei consciente!
Em campanha relâmpago
Ao pé do ouvido
Afinou o discurso de bem querer
E no corpo a corpo
Flertou e despertou desejo...
Eu,
Cidadã do mundo
Descrente das propostas vazias
Ocultada de imparcialidade
De muito projeto, mas pouca coragem
Onde a sentença é solidão
Mirei paixão sem culpa
Burlei a melancolia do desamor
E apostei na política do afeto
Abri as alvoradas do coração
Desejo de amor para os próximos anos
Diante o cenário de crise
Greve de cuidados
E recessão de apego
Altivez e direção crespa
É estratégia de luta
Disposto ao trabalho
Iniciou plano de gestão olho a olho
Debatemos parceria
E administração do corpo e alma
Integração dos ministérios
E distribuição de ternura e prazer
Principalmente nas regiões secas
E carentes de calor
Sem burocracia
Matar a sede
Alimentar o desejo
Morada no peito
E cura da solidão
Água, alimento, moradia
Saúde e educação...
Se gerenciar o afeto
O governo se completa
Em outras eleições,
Depositei voto e adesão
Em falsas promessas
Silenciei o golpe do abandono
E da corrupção do meu ser mulher negra
Sem compromisso preto-político.
Na atual conjuntura
Enquanto os corpos se manifestarem
Em favor de uma real democracia
O contrato é vitalício
Aliança que dá certo
Gestão participativa
Sou primeira dama do seu querer
És presidente do meu coração
É formação básica necessária
Política pública essencial
Garantia da nossa existência
E de viver os desafios do amor
Eu não renuncio!
Carmen Faustino

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Curso sobre a Literatura Negra e Feminina das Periferias de São Paulo.

Nos dias 06 e 07 de agosto, o Mjiba realizou o Curso Literatura Negra e Feminina no SESC Ribeirão Preto, foram dois dias de reflexões e fazer literário, mediado por mim e Elizandra Souza, e de quebra ainda chegamos junto no Sarau Preto, atividade linda realizada por Anna Silva e Daniel Ramos.
Segue algumas fotos desse encontro!























terça-feira, 9 de agosto de 2016

Sobre corpos, estéticas e roupagens, arrumação por dentro e por fora...




Hoje foi dia de arrumar o guarda-roupa
Abrir as portas
Deixar arejar
Tirar tudo para fora
Mexer lá no fundo
Dos sentimentos engavetados
Olhar peça por peça
E tentar entender
Por que a emoção guarda pano velho
Que não serve, não alegra
Mas fica lá dobrado e empoeirado.

Encontrei um guarda-roupa saturado
Dos modelos que nunca conseguiu seguir
Vestimenta alinhada
Na medida das imposições
Que a vida empurrou para dentro da gaveta
Sufocado e cheirando a mofo
Resquícios das tentativas
De padronização do meu ser.

Gavetas de laços e cetins
Sensualidade de revista
Que agrada os olhos de quem vê
Mas incomoda o meu prazer
Aquela blusa de decote ousado
Esconde o seio oprimido
Não deixa livre
Busto abafado de armação e renda
O vento não arrepia o bico
Nem faz roçar no tecido fino e colorido
Marca o ombro
Aperta as costas
E trava o movimento
Não conforta a dignidade
Que carrego no peito
Nem faz contorno 

Na anatomia do corpo negro.

Aquela calça branca eu pouco usei
Para não marcar as coxas grossas
Nem destacar a grandeza do meu sexo
As pernas torneadas pela caminhada
A fartura de lábios, pêlos
E de prazer que tenho em mim
Se escondem na trama arrumada
De textura áspera e fenda rasa.

A calcinha que não marca o quadril
O vestido que não engorda na cintura
O sutiã que levanta os seios
O corpete que modela curvas...
Tudo jogado em cima da cama.

Percebo que há tempos
Essa guarda-roupa não cabe mais
Não acomoda os moldes do meu desejo
Meu corpo, mapa de tesouro
Quer somente o que precisa para ser feliz
Não aceita mais ataques
De modelos que não confortam, nem libertam
Só deformam
A forma daquilo que sou.

Limpei o guarda-roupa
Ventilei a poeira do medo
E o alivio salgou a velha roupagem
Troquei o manequim do pudor
Por um cabide leve e sem peso
Renovada a autoestima
Saí do armário
E olhando para o espelho
Prometi ao reflexo da mulher que vejo
Dizer não!
Às ditadura das normas!


Carmen Faustino

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Mulher negra é ouro, sempre foi!



Segunda-feira boa para constatar que, nas Olimpíadas para poucos brasileiros, ela é ouro...ela sempre foi!
E aos racistas de plantão, principalmente os que destruíram seu emocional em 2012, nem venham dizer agora que o "ouro é nosso"...o ouro é dela, é das mulheres, das mulheres negras!!
Laroyê!

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Mjiba- Semeando a Literatura Negra Feminina

Nos dias 06 e 07/08, o Mjiba estará espalhando suas sementes no Sesc Ribeirão Preto, com o Curso sobre a Literatura Negra e Feminina das Periferias de São Paulo. 
Será ministrado por mim, Carmen Faustino e pela parceira Elizandra Souza.
Apareçam! 
Segue a programação:




http://www.sescsp.org.br/aulas/101405_MJIBA+SEMEANDO+A+LITERATURA+NEGRA+FEMININA